Retomo uma crónica que escrevi no Correio da Educação em Dezembro de 2006, quando o ECD tinha acabado de ser aprovado em CM (e iria ser publicado em Janeiro de 2007). Agora, na semana de todos os inimagináveis delírios, retomo a tese, retiro a interrogação e declaro que é uma Vitório de Pirro.
No ano de 279-AC, o rei Pirro, reuniu os seus oficiais no campo de batalha de Asculum, perto de Roma, para saudar a vitória das suas tropas gregas contra o poderoso exército romano. Diante das enormes perdas de oficiais e soldados, porém, ele constatou que "com mais uma vitória como esta" o seu reino estaria perdido. Daí o termo "vitória de Pirro", que expressa o conceito de uma conquista que é o início do fim.
Agora que as negociações a propósito do ECD estão praticamente no fim importa talvez fazer o exercício do day after. As práticas de ensino vão ser mais bem planeadas, executadas e avaliadas? Os professores vão ser profissionais genuinamente mais implicados, vão estudar mais, vão saber mais? Os resultados dos alunos vão ser melhores? Os ambientes escolares vão ser mais estimulantes e cooperativos? A imagem social da profissão vai melhorar?
Difíceis as respostas. Ou até talvez impossíveis. Ensaiemos, no entanto, o cenário provável. A profissão docente é uma actividade predominantemente intelectual que requer a liberdade de pensar e agir. Por mais autoritária e violenta que seja a ordem não consegue impor as acções concretas que os professores devem realizar. Não basta que ordem seja legal. É preciso que seja legitimada por um número significativo de destinatários. Por isso, a primeira condição de mudança e melhoria educativa tem de se sustentar no querer e na aceitação individual e na adesão voluntária. Uma outra dimensão essencial tem a ver com a acção educativa cooperante. Os problemas que hoje se colocam só podem ser superados no contexto de uma cooperação entre os professores, e entre estes e as famílias (quando elas existem, claro). E a questão que se pode colocar é a de saber para onde está a ser forçado a evoluir o clima escolar.
Há ainda outros parâmetros essenciais: como vão ser os dispositivos de formação contínua? Limitados e centralizados (para desresponsabilizar os professores e estes terem sempre o recurso do bode expiatório)? Como vai ser distribuído o poder de decisão? Como vão evoluir os contratos de autonomia? Será que as escolas e os professores os vão querer? Em troca de quê? Ou, se muitos os não quiserem, vão ser impostos (numa denegação da própria ideia de contrato)? Quais os ânimos e as disposições face a condições de trabalho muito mais adversas?
Já no longínquo tempo autoritário do Estado Novo (1945), António Pires Lima (um dos delfins do regime) sabia que a um professor nada se pode ordenar concretamente sobre o exercício das suas funções. Nenhum director-geral pode dizer a um professor que ensine desta ou daquela maneira e que a forma como se exerce o ensino transcende a feição burocrática dos serviços públicos.
Esperemos ainda que a vitória seja a dos nossos alunos. E para isso não é pensável desprezar e dispensar os professores. A pedra angular do desenvolvimento do país.
(Correio da Educação, nº 273)
2 comentários:
Tenho andado praticamente ausente do Aragem e das discussões fora da escola sobre a Educação. Mesmo na escola, acabo por dissipar todo o meu tempo na execução de tarefas técnicas que o cargo que ocupo me exige, esperando ansiosamente o fim do mandato. Todas as atenções, à força do tempo que não quero exclusivamente para a escola mas que pouco passam dela, se viram para quadros interactivos, testes intermédios, provas de aferição, contratação de professores, reformulação de horários, e, em particular para os meus alunos de 9º ano. É - assim o faz querer parecer - o que o nosso ME procura: a plena ocupação dos docentes em todo o tipo de actividades na escola, minimizando assim as energias disponíveis para pôr em causa o rumo das políticas educativas, que nascem compulsivamente.
Hoje, passei o dia a pôr a legislação em dia. Imprimir, sublinhar, anotar, pensar, suspirar...
Sobretudo a parte do suspirar. Estatuto do Aluno. Avaliação dos Docentes. Autonomia e gestão das escolas. Alunos com Necessidades Educativas Especiais...
Chama-me a atenção uma notícia do Público que consulto na Internet: "De acordo com a sondagem realizada pela Gallup para o Fórum Económico Mundial (WEF), os professores merecem a confiança de 42 por cento dos portugueses (...). Os políticos são os que menos têm a confiança dos portugueses, com apenas sete por cento."
No seguimento destas ideias, pergunto-me (inocentemente) se estará previsto um verdadeiro sistema de avaliação dos Políticos? Não - não me refiro à avaliação dada pelas eleições, uma vez que isso não passa da escolha (tantas vezes falsa...) de uns em detrimento dos outros. Avaliação, mesmo...! Seria bom...
É um desabafo. Decorrente da dita vitória de Pirro...
Bom fim de semana.
E uma boa noite a todos os "arejados" :)
"na semana de todos os inimagináveis delírios"... Nem me consola constatar que não sou só eu que acho esta semana de inimagináveis delírios por parte do ME que temos. Só sei que já não consigo comentar nada - como é que se comenta o delírio?? -, mas pergunto o que andam a fazer os que têm poder institucional para 'comentar' desvarios
(i)legais.
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