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Precisamos de tempo para dar forma às nossas convicções, para depois as podermos defender contra todas as adversidades.
No ano de 279-AC, o rei Pirro, reuniu os seus oficiais no campo de batalha de Asculum, perto de Roma, para saudar a vitória das suas tropas gregas contra o poderoso exército romano. Diante das enormes perdas de oficiais e soldados, porém, ele constatou que "com mais uma vitória como esta" o seu reino estaria perdido. Daí o termo "vitória de Pirro", que expressa o conceito de uma conquista que é o início do fim.
Agora que as negociações a propósito do ECD estão praticamente no fim importa talvez fazer o exercício do day after. As práticas de ensino vão ser mais bem planeadas, executadas e avaliadas? Os professores vão ser profissionais genuinamente mais implicados, vão estudar mais, vão saber mais? Os resultados dos alunos vão ser melhores? Os ambientes escolares vão ser mais estimulantes e cooperativos? A imagem social da profissão vai melhorar?
Difíceis as respostas. Ou até talvez impossíveis. Ensaiemos, no entanto, o cenário provável. A profissão docente é uma actividade predominantemente intelectual que requer a liberdade de pensar e agir. Por mais autoritária e violenta que seja a ordem não consegue impor as acções concretas que os professores devem realizar. Não basta que ordem seja legal. É preciso que seja legitimada por um número significativo de destinatários. Por isso, a primeira condição de mudança e melhoria educativa tem de se sustentar no querer e na aceitação individual e na adesão voluntária. Uma outra dimensão essencial tem a ver com a acção educativa cooperante. Os problemas que hoje se colocam só podem ser superados no contexto de uma cooperação entre os professores, e entre estes e as famílias (quando elas existem, claro). E a questão que se pode colocar é a de saber para onde está a ser forçado a evoluir o clima escolar.
Há ainda outros parâmetros essenciais: como vão ser os dispositivos de formação contínua? Limitados e centralizados (para desresponsabilizar os professores e estes terem sempre o recurso do bode expiatório)? Como vai ser distribuído o poder de decisão? Como vão evoluir os contratos de autonomia? Será que as escolas e os professores os vão querer? Em troca de quê? Ou, se muitos os não quiserem, vão ser impostos (numa denegação da própria ideia de contrato)? Quais os ânimos e as disposições face a condições de trabalho muito mais adversas?
Já no longínquo tempo autoritário do Estado Novo (1945), António Pires Lima (um dos delfins do regime) sabia que a um professor nada se pode ordenar concretamente sobre o exercício das suas funções. Nenhum director-geral pode dizer a um professor que ensine desta ou daquela maneira e que a forma como se exerce o ensino transcende a feição burocrática dos serviços públicos.
Esperemos ainda que a vitória seja a dos nossos alunos. E para isso não é pensável desprezar e dispensar os professores. A pedra angular do desenvolvimento do país.
(Correio da Educação, nº 273)
Confesso que ao abordar este assunto sou assaltado por dois sentimentos antagónicos:
Vida difícil...
Adenda I: À procura da clarificação:
“[...] não entendo porque dizes que a eficácia escolar é um estereótipo.”
- A retórica oficial usa os conceitos benignos de eficiência, eficácia, flexibilidade, inovação, etc. para legitimar mudanças no modelo de gestão pública que, a meu ver, abrem caminho à privatização de serviços públicos, como é o caso do da educação e da saúde. São os contextos da mudança que determinam a coerência e a justeza das soluções técnicas encontradas e não o uso isolado deste ou daquele conceito.
“Também não consigo compreender em que medida é que as preocupações pedagógicas ficam subordinadas aos critérios de eficiência, já que, pelo que tenho lido, o movimento das escolas eficazes procura justamente compreender os factores críticos da eficácia escolar que são, todos eles, de natureza pedagógica.”
- Nem sempre a gestão eficaz é conseguida pela via da eficácia e da qualidade da escola. Estou a pensar num cenário em que a alocação de recursos (tecnologia, poder, tempo, etc.) resulta num claro prejuízo dos factores pedagógicos.
“Também te peço que clarifiques o teu raciocínio quando afirmas que a equidade, a coesão social e a democracia estão em perigo.”
- Esta minha afirmação deve ser entendida com todo o radicalismo que ela encerra: o mercado e a privatização da educação não se regem por lógicas que garantam a equidade do serviço público da educação. Porém, lançando um olhar menos apaixonado sobre o assunto, é sensato reconhecer que as medidas adoptadas ainda não constituem uma política global fundadora de um mercado educativo.
Adenda II: À procura da clarificação:
Como vejo o reforço das lógicas mercantis?
Dois breves exemplos onde as lógicas mercantis determinam acções gestionárias:
i) O ECD ao indexar os resultados dos alunos à avaliação dos professores promoverá um sistema [perverso, obviamente] de captação dos alunos/turmas que “garantem” melhores resultados académicos;
ii) A “praga”que é a selecção dos alunos sempre que a procura ultrapassa a oferta [não sendo uma inovação porque hoje os alunos mais “problemáticos” não são os mais desejados]. Seria bom que as escolas se imunizassem contra este tipo de racionalidade gestionária.
Temos ou não temos de vencer a batalha da falta de qualificação da n/ população?
- É um imperativo ético a escola fazer o que deve fazer para promover a qualificação dos alunos. O que não deve fazer é confundir certificação com qualificação. O que não deve fazer é aligeirar a qualificação para acelerar a certificação. Pressões deste tipo, não... obrigado!
Artigo provocador de Felder & Brent (2006):
Escrever objectivos de aprendizagem detalhados e dá-los a conhecer aos alunos. Esses objectivos devem especificar acções directamente observáveis e cobrir todas as capacidades (skills) que se pretende que os alunos dominem. Devem ser comunicados aos estudantes de forma a orientar o seu estudo e a a preparação para os momentos de avaliação.
Ensinar uma capacidade antes de a avaliar. Explicar e ilustrar o que se pretende, mostrar bons e maus exemplos e fazer os estudantes trabalharem em pequenos grupos para os criticarem, depois fazer momentos de avaliação formativa sobre esse conteúdo.
Usar grelhas (rubrics) para a avaliação sumativa de tudo o que envolva uma avaliação subjectiva por parte do professor. Quanto mais claro é o sistema de avaliação, melhor os estudantes correspondem às expectativas.
Se uma competência é importante, deve ser avaliada. Os estudantes só se empenham em aprender aquilo que é avaliado. Isso não é preguiça, é um comportamento racional.