sábado, fevereiro 11

"Eu não quero ser bom, quero é ter sorte"

Esta é a mensagem, logo explícita no início, do filme de Woody Allen (Match Point) que hoje fui ver. Até concordo, em termos cinematográficos, com a crítica que diz que é o seu melhor filme de uma década, mas o único comentário que fiz à amiga que me desafiou para o ir ver foi: Para fazer este filme, devia era estar quieto e dar por terminada a sua carreira de realizador.
Não preciso de ler num filme nenhuma mensagem especial para o apreciar como um bom filme, mas não perdoo que um realizador com ainda grande público faça, na época actual tão carente de referências sobre valores, uma obra niilista, de defesa temática de que moral não conta para nada, só conta uma coisa chamada sorte - tudo depende do lado para onde cai uma bola ao tocar ocasionalmente na rede, é a imagem que se vê no início e no fim do filme. O protagonista comete dois assassínios, (um meramente gratuito para despistar) para proteger o lugar de bem sucedido na vida a que chegara, e fica livre de suspeita porque, ao atirar ao rio o anel que tirara do dedo de uma das mulheres que matou, de facto aquele bateu na grade e caiu do lado de cá. (Não vou contar porque isso o livrou, não pretendo relatar o enredo, apenas evidenciar a insistência na insinuação na mente do espectador da mesma imagem - mensagem e tese. (Ri-me quando a minha amiga acrescentou que se calhar o protagonista iria haver-se com a sua consciência, ela nem é pessoa para cair dentro de um conto, que é apenas conto, para lhe fazer acrescentos imaginários, mas, já agora, até digo que nem reparou que não deixou de ser passado o complemento da mensagem: as pessoas libertam-se da sua consciência, não permanece o problema pois há sempre argumentos para a silenciarem)
Porquê este meu escrito? Porque me lembro como me soube bem ver dois filmes de dois grandes realizadores, há talvez já um ano atrás, que me fizeram pensar: Ainda temos grandes autores (filme, livro, não interessa, mas as salas de cinema têm muito mais público do que as livrarias) a investirem no dizer e mostrar que, nesta realidade em que parece estar a tornar-se uma humanidade inteira, o que já se olha como utopia não o é.
Em suma, não exijo que bons autores sejam referências em termos de valores, mas se pretendem transmiti-los, então acho que na época actual têm a responsabilidade do "grito" da esperança e crença num mundo melhor - esperança que sempre moveu o homem. Se têm como intenção transmitirem valores e o fazem no sentido da conivência ou do conformismo, ao menos que não sejam bajulados ou repletos de 5 estrelas sem nenhuma adenda pelos críticos da especialidade, porra!
(Desculpem)

8 comentários:

Teresa Martinho Marques disse...

Subscrevo inteiramente, com desabafo final e tudo. Já sei que fime não ver... Livra! Ainda ficava contaminada! E uma pessoa já luta tanto para se manter à superfície empenhando-se para fazer o certo...

«« disse...

essse mesmo realizador em tempos teve ma saída "fantstica", dizia ele que quem não sabe fazer nada vais para professor, e se mesmo assim não conseguir vai para proessor de EF....fantástico.

IC disse...

Liguei o pc para ver o mail e dei um saltinho à Aragem para ver o azul, já que está a escurecer, o céu já não está azul ;)
Não sabia (ou não me lembrava) dessa saída do Woody Allen, de qualquer modo digo à Teresa para não se guiar pela minha reacção excluindo o filme. Houve tempo em que não perdia um dele,acho que sempre foi um realizador e um intelectual com as suas originalidades muito peculiares, mas inofensivas, e que fez filmes notáveis, extremamente divertidos. Acho que depois começou a cansar, entretanto, lá porque a temática deste agora, desviado de filme de humor, se me sobrepôs ao aspecto, digamos, de arte cinematográfica, neste aspecto não discuto que tenha voltado a fazer um filme de 4 ou 5 estrelas.
E agora não vou ao cinema, vou, entre outras coisas, procurar uns livrinhos para a mesa de cabeceira.
Bom resto de fim de semana (com muitas ou poucas manias...lol)

Teresa Martinho Marques disse...

Está descansada! Partilho o gosto pelo Woody primeiro e confesso que me fui cansando um pouco... Ando a precisar de fimes diferentes... Se o excluir a culpa não será tua, mas minha! Bom fim de semana!

Miguel Pinto disse...

Falávamos na entrada anterior de rótulos acerca da forma como nos apresentamos aos olhos dos outros. Por uma questão de gestão do tempo, deixamos que algumas das nossas escolhas sejam determinadas pelo filtro dos especialistas ou pseudo especialistas. As nossas opiniões são pré-formatadas por esse olhar presumivelmente especializado até ao momento em que o nosso espírito crítico decide testar a credibilidade das fontes. Deixemos que a cultura se entranhe por via da educação e que essa educação tenha como finalidade a formação de homens-de-pensamento livres.
Foi o que me ocorreu [sem edição de texto] depois de ler esta entrada da Isabel. Este tom enigmático deve-se ao adiantar da hora…

Junto à lista do Woody Allen, o Miguel Esteves Cardoso e o Herman José… Cada um teve o seu momento… ;)

Teresa Martinho Marques disse...

Concordo com o Miguel. Não tenho vergonha de dizer que escolho os filmes sem olhar a estrelas... e que vejo filmes de todos os tipos. Há momentos em que a mim e ao cara-metade só nos apetece a ficção espectáculo, depois dos dias cheios de coisas para pensar. Confesso-me mais virada para os bons thrillers com pouco aparato e muito sobressalto interior, mas adoro um bom filme ("bom" para mim = gostar muito de o ver), tenha ele o formato que tiver. Como a música. Prefiro "canções a cantores", que é como quem diz, fujo do preconceito e deixo-me levar pela emoção. A culpa deve ser da formação para a autonomia e liberdade. E confio muito mais num amigo que admiro, e com quem partilho cumplicidades, do que numa estrela de especialista... Mas primeiro estamos nós e a forma como sentimos as coisas. A lista do Miguel é certa. (Às vezes, "zapando" pela RTP Memória, faz-me confusão esta coisa de ser possível crescer ao contrário... falo do Herman, claro. Uma perfeita desilusão.)

IC disse...

Só uma nota: Não estava na minha mente (e continua a não estar) a questão da autonomia, mas sim a da responsabilidade de quem tem na mão poderosos meios de formação ou deformação cultural. Woody Allen é visto pelo seu público sem que este previamente vá ler a crítica; os críticos enquanto conhecedores têm apenas o papel de analisar os aspectos artístico e técnico dos filmes, mas como pessoas ou intelectuais que são lidos têm sempre (como nós, simples cidadãos anónimos)responsabilidade moral/ética; os responsáveis pelo mais poderoso meio de divulgação, a TV, têm nas mão a possibilidade de contribuirem para a formação cultural de um povo, mas o terem isso na mão não lhes dá nenhuma responsabilidade - houve há umas décadas programas de entretenimento, até concursos, de qualidade e enorme audiência e agora esses programas são o que vemos. Jorge Coelho foi eliminado porque só interessam as grandes audiências. E a questão do filme é que o tema e a história vêem totalmente ao encontro de uma ideologia predominante: não é preciso assassinar, mas as pessoas sonham com oportunidades (sorte) para estatutos de visibilidade mesmo que não valham um tostão. E quem diz que o povo português não aderiria ou não daria enorme audiência a programas até só de entretenimento que fossem culturalmente formativos?
Etc., etc.
;)

AnaCristina disse...

Contra a maré, confesso que gostei muito do filme e que nos dá uma outra noção da realidade porque todos sabemos que a Sorte tem alguma importância na nossa vida. Pelo menos na minha!

Aproximam-se as datas de concurso de profs e a sorte impera!

Confesso que não achei piada às mortes nem à sua explicação e/ou impunidade... mas é um filme!

Recomendo vivamente "Brokeback Mountain", não pelas críticas cinematográficas mas pela história de amor... Saí da sala de cinema a pensar que tinha visto um filme de amor e não um filme sobre dois homossexuais.

Um abraço