quarta-feira, julho 7

Um desporto escolar plural (II).

O desporto escolar evoluiu com os estilos de ocupação dos tempos livres dos jovens que estão sistematicamente em mudança. Mas esta evolução do desporto escolar não deverá ser, na nossa perspectiva, orientada apenas para a promoção do aumento do número de praticantes. Terá de ser encarada numa óptica de equidade: “temas como co-educação, maiores oportunidades, incentivos e recursos financeiros para as práticas de actividades físicas de raparigas, norteiam as tomadas de posição e as acções que visam alterações na estrutura e organização da Educação Física e do desporto na escola, a fim de tornar aquelas práticas mais solidárias, inclusivas e equitativas” (Botelho-Gomes et al., 2000: 31).
“Tentar estabelecer a paridade num mundo social caracterizado pela desigualdade não é uma tarefa simples. Temos que reconhecer que no processo de «igualar», haverá pessoas que percebem as mudanças como perdas inevitáveis, se mais nenhuma outra razão houvesse, temeriam a mudança, porque temem a perda do status ou do poder que associam aos movimentos que conduzem à paridade” (Talbot, 1990: 101).
Roberts (1996) considera que o curriculum do seu país se adaptou às novas tendências, complementando os “velhos” jogos de equipa e promovendo facilidades para uma variedade de desportos adicionais tais como o badminton, o squash, a natação, e mesmo o golfe, de modo a que "seja praticado individualmente e jogado por grupos pequenos de gente nova (e de adultos) às vezes e por lugares da sua escolha sem nenhum compromisso com os clubes.
Nos últimos 20 anos, nas escolas da Grã-Bretanha, os professores têm usado cada vez mais tempo da aula de Educação Física para introduzir as alunas de idades baixas numa variedade larga de desportos e fizeram os possíveis para que elas prolongassem os seus jogos favoritos fora das aulas também. Simultaneamente, as autoridades locais abriram os centros “indoor” do multi-desporto que podiam ser usados durante todo o ano, para que os indivíduos pudessem realizar os seus jogos preferidos com os seus próprios amigos, de acordo com as suas preferências. As crianças e os jovens, dentro e fora da escola, poderão aderir aos desportos eleitos, nos lugares e nos grupos que expressam a sua individualidade. O desporto adaptou-se ao gosto dos mais novos. Os novos menus do desporto escolar contêm artigos que apelam aos rapazes e às raparigas em todas as faixas de idade. Ambos os sexos podem praticar os desportos que afirmam a sua independência (jogar o que se quer, quando se quer, com quem se quer).
Quem defende, inequivocamente, a presença do DE na escola (ou o desporto na escola), considera que ainda há muito por fazer e que os constrangimentos que têm afectado o desenvolvimento do programa do DE exigem um esforço acrescido. O programa do DE inserido no âmbito estrito das estruturas do Ministério da Educação, desenvolve-se num contexto carregado de limitações (Pina, 2002) e no interior da própria escola existem factores inibidores do desenvolvimento das actividades do DE (Menezes, 1999). Mas como diz Pina (2002: 27) “o que está em causa é a concepção de um quadro teórico de referência que possibilite a construção de um modelo organizacional, ajustado à realidade portuguesa, de forma a responder cabalmente às necessidades e expectativas das crianças e jovens em idade escolar”.
Ultrapassada a fase de indefinição de responsabilidade de enquadramento da prática desportiva na Escola que passou da DGD (hoje o IND) para as Direcções Gerais Pedagógicas, urge definir os contornos das parcerias e formas de cooperação com o movimento associativo, permitindo o alargamento da prática desportiva e garantindo as condições essenciais de realização do percurso de formação desportiva. “É tempo de assumir responsabilidades e de clarificar competências no respeito pelos objectivos e vocações específicas de cada um dos sub-sistemas directamente interessados no desenvolvimento deste processo” (ibid: 30). Há que estabelecer relações de confiança e de promover iniciativas conjuntas. Os dados fornecidos pelo próprio director do GCDE confirmam esse interesse recíproco: em 2002 “firmaram-se 31 protocolos de cooperação com Federações Desportivas, desenvolvendo-se parcerias em áreas como a formação de professores, organização de quadros competitivos conjuntos, produção de documentação de apoio a professores e alunos, bem como no apoio a organizações desportivas do Desporto Escolar (nacionais e internacionais) ” (Freitas, 2002).
Um aspecto central para a definição do tal “modelo de DE mais satisfatório” é a promoção da Actividade Interna como a grande bandeira de uma Escola Inclusiva, em oposição à Escola Exclusiva do passado. É o próprio director do GCDE que esclarece: pelo facto da opinião pública ter do DE um entendimento construído na lógica do desporto de competição, a primeira prioridade do DE é a Actividade Interna, apresentando-a como sendo uma resposta aos problemas da multiculturalidade, minorias étnicas, integração social, para além dos comportamentos desviantes provocados pela droga (Freitas, 2002).
Se no passado importava reafirmar que a questão central do desporto escolar não era desportiva, mas sim educativa (Carvalho, 1987), devido à controvérsia existente acerca do lugar que o desporto escolar devia ocupar nos dois sistemas (educativo e desportivo), agora urge, na nossa perspectiva, encontrar um modelo de prática que sirva as necessidades dos nossos alunos. “O Desporto na Escola ao ser consignado como um direito tem de ser acessível a todos os que o querem praticar. A todos e não apenas àqueles que em determinado momento têm um melhor rendimento desportivo, quase sempre os mesmos que, fora da escola, já têm possibilidades de prática desportiva” (Constantino, 1992: 74).
Concordamos com Constantino (1992) quando procurava esclarecer o equívoco de que a Escola, por si só, pode ser a base do Desporto Nacional e por ele ser comandado. Não podemos ter dúvidas de que o desporto deve ser um meio ao serviço do desenvolvimento dos jovens e não um meio ao serviço de certos desenvolvimentos desportivos. “Eis o que separa uma prática cuja razão de ser se encontra na própria criança ou jovem de uma outra em que a criança e o jovem são instrumentalizados” (Constantino, 1992: 76).
É à luz deste quadro de referências que recebemos com agrado todas as iniciativas que visam a promoção do desporto escolar. O Documento Orientador do Desenvolvimento do Desporto Escolar (Ministério da Educação, 2003) é uma delas. Enunciando um conjunto de medidas e metas com o alcance de uma década, este texto apresenta uma estratégia global do Desporto Escolar que se desenvolve num triângulo de relacionamento com as Federações Desportivas, as Autarquias e a Comunidade.
A cumplicidade do poder central é determinante para a criação dos pressupostos necessários para o desenvolvimento do Desporto Escolar. Se a eliminação dos obstáculos de natureza administrativa e financeira forem amplamente aplaudidos por todos os agentes envolvidos no desporto das escolas, não deixaremos de tentar perceber se estamos ou não perante um plano cujas finalidades se afastam do que se espera de um desporto verdadeiramente plural.